domingo, 16 de novembro de 2014

Primeiras lições de Dhamma






- Veja que olhos lindos! – ele dizia se agachando ao lado de um sapo.
- Que cores impressionantes! – e apontava para uma mosca varejeira.
- Uma verdadeira armadura, um guerreiro medieval! – e me mostrava cada detalhe da carapaça de um besouro.

Assim, fui sendo educado na infância. Meu pai me chamava a atenção para a dignidade de todo e qualquer ser. Enquanto meus amigos tinham nojo de insetos, minhocas e sapos, eu via tais existências com admiração.

Se aparecia uma aranha em casa (e elas sempre estavam por lá, já que vivíamos cercados por mata), ninguém a matava. Ela era capturada com um pote qualquer e solta no meio do mato. Cobras eram mais raras e davam mais trabalho, era preciso um pedaço de pau e um balde. Mas no fim dava no mesmo, eu era chamado para me aproximar do bicho, olhar de perto aquele estranho visitante. Mas não havia medo, apenas respeito. 

Amigos da família e parentes ficavam indignados. Diziam que devíamos matar aquelas ameaças, que estávamos nos colocando em risco, pois poderiam voltar à nossa casa. Eu achava estranho aqueles adultos serem tão ignorantes. Minha mãe e minha irmã nunca subiram numa cadeira ao verem uma barata, nunca tiveram fobia de insetos, ratos, etc E eu aprendi que só há espaço para o pavor quando você não compreende o outro, seja ele uma cobra, seja um morador de rua, seja o estrangeiro que chega ao seu país à procura de emprego. A convivência, a aproximação respeitosa e a atitude de se estar aberto a ver beleza e dignidade em todo e qualquer ser gera respeito e capacidade de se colocar no lugar outro.

Àquela época eu não sabia, mas recebia minhas primeiras lições de Dhamma.

Muitos anos depois, quando com a minha mulher, na época minha namorada, fui para nosso primeiro retiro de meditação vipassana, foi como voltar à infância. A primeira regra do código de conduta é: “Abster-se de matar qualquer ser”. E como o centro de meditação fica no meio da mata, em Miguel Pereira, RJ, a convivência com bichos é inevitável. Espalhados pelo local, há vários “kits salva insetos”, que nada mais são do que potes plásticos para capturar qualquer aranha, escorpião ou besouro que entre nos quartos, banheiro, sala de meditação, etc. Pela primeira vez na minha vida eu estava em um lugar no qual a “regra do meu pai” era a regra para todos: “todos os seres merecem viver”. Eu me senti em casa.

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