- Veja que olhos lindos! – ele dizia se agachando ao lado de
um sapo.
- Que cores impressionantes! – e apontava para uma mosca
varejeira.
- Uma verdadeira armadura, um guerreiro medieval! – e me
mostrava cada detalhe da carapaça de um besouro.
Assim, fui sendo educado na infância. Meu pai me chamava a
atenção para a dignidade de todo e qualquer ser. Enquanto meus amigos tinham
nojo de insetos, minhocas e sapos, eu via tais existências com admiração.
Se aparecia uma aranha em casa (e elas sempre estavam por
lá, já que vivíamos cercados por mata), ninguém a matava. Ela era capturada com
um pote qualquer e solta no meio do mato. Cobras eram mais raras e davam
mais trabalho, era preciso um pedaço de pau e um balde. Mas no fim dava no
mesmo, eu era chamado para me aproximar do bicho, olhar de perto aquele estranho
visitante. Mas não havia medo, apenas respeito.
Amigos da família e parentes ficavam indignados. Diziam que
devíamos matar aquelas ameaças, que estávamos nos colocando em risco, pois
poderiam voltar à nossa casa. Eu achava estranho aqueles adultos serem tão
ignorantes. Minha mãe e minha irmã nunca subiram numa cadeira ao verem uma
barata, nunca tiveram fobia de insetos, ratos, etc E eu aprendi que só há
espaço para o pavor quando você não compreende o outro, seja ele uma cobra,
seja um morador de rua, seja o estrangeiro que chega ao seu país à procura de
emprego. A convivência, a aproximação respeitosa e a atitude de se estar aberto
a ver beleza e dignidade em todo e qualquer ser gera respeito e capacidade de
se colocar no lugar outro.
Àquela época eu não sabia, mas recebia minhas primeiras
lições de Dhamma.
Muitos anos depois, quando com a minha mulher, na época minha namorada, fui para
nosso primeiro retiro de meditação vipassana, foi como voltar à infância. A
primeira regra do código de conduta é: “Abster-se de matar qualquer ser”. E
como o centro de meditação fica no meio da mata, em Miguel Pereira, RJ, a
convivência com bichos é inevitável. Espalhados pelo local, há vários “kits
salva insetos”, que nada mais são do que potes plásticos para capturar qualquer
aranha, escorpião ou besouro que entre nos quartos, banheiro, sala de
meditação, etc. Pela primeira vez na minha vida eu estava em um lugar no qual a
“regra do meu pai” era a regra para todos: “todos os seres merecem viver”. Eu
me senti em casa.
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