segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Mentes e árvores






Cada monge, cada meditador que cheio das mais puras intenções cultivasse a bondade, o altruísmo e o amor por todos os seres, contribuiria para o mundo, em termos de energia mental, da mesma forma que cada árvore contribui em relação ao oxigênio que respiramos. Meu pai sempre defendeu tal ideia. 

É claro que a ação é indispensável, porém mesmo ela, inevitavelmente, surgirá como resultado de pensamentos e sentimentos. Mas nas redes sociais e nas tramas da vida real o que vemos ganhando força e voz é o ódio em suas mais diferentes faces. Temos, de um lado, a estúpida e cruel materialização do mal nas ações terroristas - para as quais todas as câmeras e olhares estão apontando nos últimos dias. E de outro, o individualismo covarde do cidadão médio que espuma de raiva ao se deparar com tudo o que não lhe é espelho. Com o que pretendemos combater a barbárie dos assassinos de inocentes anônimos? Com mais ódio e intolerância? 

Conta-se que um tibetano, após anos vivendo como prisioneiro na China, afirmou - sobre sua experiência no cárcere - que se sentiu em perigo apenas algumas vezes. Quando perguntado sobre o tipo de perigo que enfrentou, respondeu que correu por momentos o risco de perder a compaixão que sentia por seus algozes.

Se pegarmos uma fração da atenção que despendemos cotidianamente sobre os nossos inimigos e a redirecionarmos para dentro de nós mesmos, quanto de compaixão ainda conseguiremos encontrar?

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

A tela e o céu






Bressane disse que “olhamos para a tela hoje como olhamos antes para o céu”. Ele se referia ao cinema, mas quando pensamos na soma de telas que nos ocupam a visão, vemos que é ainda maior a transformação. As telas pedem um olhar diferente do que mirava o céu. Raso, inquieto, compulsivo. Assim, não trocamos apenas o céu pela tela, trocamos a própria forma de olhar.

Em um retiro de meditação, sem tela alguma à disposição, resta o céu. No entanto, olhamos para ele com os olhos treinados pelas telas. É preciso algum tempo para se reaprender a observar uma nuvem, uma formiga, folhas que balançam com o vento. 

Mas como o que estamos fazendo, com todo esse silêncio e essa observação da respiração, é rumar ao encontro do que pode haver de mais natural, o processo vai ganhando força por si mesmo e pouco a pouco os outros sentidos também vão despertando. Percebemos, então, o óbvio: a chuva tem som e cheiro, assim como também os têm os dias ensolarados. E isso nos diz respeito, nos fala sobre nós mesmos. 

Meditar é um pouco isso, descobrir que até então estávamos muito agitados e dispersos para percebermos as pequenas verdades sobre nós mesmos sussurradas pela chuva.

terça-feira, 17 de março de 2015

Viajar para longe



Queria ter acordado hoje e saído por ruas que não conheço, observado hábitos que não são meus, escutado línguas que não domino. 

Ruas desconhecidas me fazem atento para não me perder. Costumes estranhos me ensinam sobre possibilidades de se ser humano de formas diferentes. 

E, assim, de olhos e ouvidos abertos, se caminha por terras outras que não as suas.

Por isso, a posse, tão buscada e festejada em nosso pequeno mundo, é sempre empobrecedora. “Minha casa”, “minha rua”, “meus costumes”. E, em meio a tantas coisas minhas, fico tão confortavelmente relaxado que não preciso mais olhar e ouvir. 

Um dia qualquer, ainda acabo me pegando irritado por ouvir alguém defender uma ideia que não é a minha. “Como ousa?”, eu pensaria diante do que não me pertence. E antes que isso aconteça, sinto que preciso viajar pra longe, mesmo já sabendo ser um erro esse sentir. Erro, pois todo canto está cheio de caminhos, palavras e ideias que me escapam. Mas enxergar e ouvir o diferente dentro do “meu” território é tão difícil. É preciso se desacostumar, se desapegar e, principalmente, estar presente.

Sento, fecho os olhos e observo a respiração.